sábado, 27 de dezembro de 2008

Esta cidade que habita

Existe um rasto de silêncio pelas
ruas desta cidade onde moro. O meu corpo
tece horas já e nada se apaga como antes.

Onde estou, o frio é incessante e
às minhas mãos queimam-se fotografias como
se o passado não existisse mais.

De hoje em diante, irei apagar-me
em cada dia, para que nada reste dentro de mim
ou dentro da garrafa vazia.

Por isso te vejo a desaparecer
rapidamente, como um dente-de-leão ao vento
da minha voz, ao agredir-te sem que te
doa ou marque para sempre.

E para que os dias passem, bebo-me
de dentro das mãos. Como um vinho verde
que me corre no corpo e assim a visão do mundo
é mais carente - o frio que sinto é da
cidade.

Nada mais existe por aqui que me prenda
ou que me faça ficar. Visto a mala para
pensar na partida, carrego-me pela porta até
ao jardim que se estende lá fora, sem luz sem sol
nem calor.

Os meus pés já não caminham porque
não sabem. Porque todas as cartas me ensinaram
que a maneira como se pisa um ladrilho é igual
à de pisar um rosto

mesmo que de tal não se goste.

Por isso perco os sentidos nesta cidade
sem polícia e sem refúgios - como se fosse eu
o último a perder-me nas ruas labirínticas e
planas onde o vento me espalha a memória como
água em papel.


Sérgio Xarepe

Slimmy - Dumb

domingo, 21 de dezembro de 2008

Quem Escreve

Quem escreve quer morrer, quer renascer
num ébrio barco de calma confiança.
Quem escreve quer dormir em ombros matinais
e na boca das coisas ser lágrima animal
ou o sorriso da árvore. Quem escreve
quer ser terra sobre terra, solidão
adorada, resplandecente, odor de morte
e o rumor do sol, a sede da serpente,
o sopro sobre o muro, as pedras sem caminho,
o negro meio-dia sobre os olhos.


António Ramos Rosa

domingo, 14 de dezembro de 2008

Inconsciente

Não passa de um vaguear
Mesmo que inconsciente.
São meros laivos furtivos
Mesmo que inconsciente.
É aquele despejo mental,
Mesmo que inconsciente.
É apenas um desejo carnal.
Mesmo que consciente !

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

João Guimarães Rosa

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranquilos e escuros
como o sofrimento dos homens."


João Guimarães Rosa

sábado, 29 de novembro de 2008

O tempo

sujo
Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção

São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação

Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungara para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia

Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar.


Alexandre O'Neill

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Nick Cave ft P.J. Harvey - Henry Lee

O Sr. Nick, a Sra. Harvey, num dueto doce, sedutor, que está mesmo ali... no vão da escada.

domingo, 23 de novembro de 2008

Perdidos/Achados

Não sei o que é o sono,
Apenas adormeço ao sabor do cansaço,
Rodeado no lume brando do pensamento,
Do gesticular da alma,
Da apatia do corpo…
Vou pelo caminho escondido,
Não me encontro,
Não te encontro…
Onde nos escondemos?
Existimos?
Não !
Fomos apenas um delírio…
Volto ao caminho escondido.
Procuro-me,
Procuro-te…
E descubro apenas a secção dos perdidos e achados.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Só o Sábio

O sábio,
com um só lábio,
diz mil verdades,
enquanto cala, com o outro, as mil maldades
que vê só de um olho,
porque o outro, zarolho,
é cego, para poder ver, na escuridão,
a multidão
que grita,
aflita,
e que só ele ouve com um ouvido,
já que o outro é surdo, está entupido,
para escutar só um som
do dom
que o ilumina
na mais pura neblina.

Paulo Abrunhosa in Diário de um Dromedário

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

BIM - Stay in my memory

São praticamente desconhecidos em Portugal, mas nao será por muito tempo...(digo eu) uma "aposta" do Faz Frio na Escada para este inverno, um video brilhante, uma música e letra à qual nao se fica indiferente.. são os BIM com Stay in my memory..

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Melodia

Entro ao de leve na batalha,
Suave, quase sem dar por mim.
Aos poucos entranho-me,
Afundo-me e estou lá…
No meio, no epicentro.
Não adianta desviar,
Já não magoa as feridas.
Respondo aos ataques,
E com sangue a jorrar da boca
Não paro, não importa.
Agrido, agridem-me…
E é bom assim.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

É do Frio, É das Escadas...

Por vezes tomamos atitudes irreflectidas, menos pensadas, menos ponderadas, menos sentidas.
Por vezes somos surpreendidos pelos nossos actos, por actos de outros, por palavras, por gestos, por situações.
Por vezes somos inconscientes, por vezes fazemo-nos inconscientes e deixamo-nos ir no vento que guia a nossa irracionalidade, somos humanos e as vezes não temos a noção disso…pelo menos eu não, e gosto de assim ser.
Dizem que sou sonhador, eu concordo e acrescento… sou utópico, irrealista e gosto… gosto de viver entre a quimera e a loucura, entre frio e o quente, entre o estar e o não estar.
Sou assim… e nada há a fazer…!!
O que seria o fim deste blog, afinal não foi, e porquê?
Porque o frio vem todos os anos, porque as palavras saltam da mente, porque não há motivo algum para deixar de existir… porque não houve motivo algum que impedisse o seu fim…talvez porque não o entendem, ou compreendem, talvez porque não haja absolutamente nada para entender, talvez porque as palavras, a escrita, a música é aquilo a que chamamos arte e na arte nem sempre há verdade, sentimentos e dignidade… é arte.
Por estas e por outras, o Inverno está de volta e o frio que se sente na escada vem com ele…
Este blog retoma a sua vida normal, esteve em coma profundo, mas renasce mesmo já quando todos festejavam a sua morte.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Pedro Abrunhosa - Como uma Ilha

Fecha os olhos...e abraça-me...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Fim de Mário Sá-Carneiro

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!

Mário Sá-Carneiro

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Ana Moura - Primeira Vez

Porque a minhas palavras já não contam, encontrei estas que dizem tudo...


quinta-feira, 3 de julho de 2008

Tonto

Mais um dia passou,
Inquieto espero pelo nada,
Nostálgico na minha revolta.
Hoje sei que vou adormecer,
Ontem apenas fechei os olhos
Tentando tornar a noite mais fácil.
Amanhã? Não existe…
Apenas a ilusão,
Revirada do avesso.
Tropeço na palavras,
Inconstantes…
Subo ao cimo daquele monte,
Tonto, tão tonto.
Amanhece e já não estou aqui.


terça-feira, 1 de julho de 2008

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Julgamento

Sou o rasto de um corpo cansado,
Que já não existe.
Fui viagens e caminhos,
Fui sol, fui chuva.
Hoje sou pequenos pedaços de nada.
Sou castigos e solidões.
Fui quem não queria ser.
Sou quem não queriam que fosse.
Sou estrada de terra batida.
Sem saída nem desvios.
Fui o que julguei não ser…
Sou o que já não importa.

terça-feira, 13 de maio de 2008

terça-feira, 6 de maio de 2008

Talvez seja aquele fardo do tempo

Talvez seja aquele fardo do tempo,
Que me faz estar assim.
Pensativo,
Furtivo,
Num longe caminho de mim.
Rastejando,
Na penumbra.
Num largo rasto sem fim.
Talvez seja aquele fardo do tempo
Que me faz pensar assim…
Vagueando,
Hesitando,
Na rota que a bússola tem para mim.

terça-feira, 8 de abril de 2008

quarta-feira, 26 de março de 2008

Madrugada

Dias, anos, décadas,
O mundo a passar.
Cada um aqui, ali…
Um fugir, vasculhar.
Na linha da bala perdida,
No sentido de me desviar.
Um acordar cansado,
O café no qual quero acordar.
O cigarro.
A madrugada,
Na qual cresci a cantar.

sexta-feira, 7 de março de 2008

terça-feira, 4 de março de 2008

Poema dum Funcionário Cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só


António Ramos Rosa
in "Viagem através duma nebulosa", 1960

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Absolvição

Não sei onde te perdes-te.
Se nas ruas…
Se nos sonhos.
Não sei porque te escondes-te.
Por loucura,
Ou rendição.
Não sei porque te escrevo…
Devaneio?
- Não…
Absolvição.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

FIM

Como se chega àquele fim?
Loucura?
Magia?

Como se chega àquele limite?
Fascínio?
Ternura?

NÃO

Apenas um passo…
Mas “aquele” passo!

O do fim…
Aquele,
Assim…

FIM

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?


Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.


(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)


Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente


Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,


Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.


Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.


Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Portishead - Roads

É só fechar os olhos, e... viajar.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Fumo

Entramos em 2008 a sentir na pele o que é ser discriminado e excluído, pelos artigos que compõem a Lei nº. 37/2007, de 14 de Agosto, que faz vigorar a proibição de fumar em locais fechados de atendimento ao público e demais afins.
Sim, sou fumador e gosto. Dá-me prazer fumar um cigarro. Podem chamar vício, doença, etc., etc…. apenas lhe chamo prazer, neste momento um prazer que até poderá a vir a ser mais apetecível (aos mais jovens) devido à imposição que nos colocaram de não fumar, pois sempre ouvi dizer que: “O fruto proibido é o mais apetecido!”
Sim, eu sei, provoca doenças graves…o álcool também, e não estou a ver um restaurante a sobreviver sem ele…
Concordo, que em locais como restaurantes e cafés, onde estão pessoas a usufruir da sua refeição, possa ser incomodativo estar a saborear os alimentos e a “levar” com o cheiro a tabaco de alguém sentado na mesa do lado, a mim, incomoda-me gente enfrascada em perfume (muitas vezes rasca) mesmo ao meu lado enquanto janto ou almoço…
Não posso concordar, que em locais de convívio, tais como bares, discotecas e até centros comerciais que têm extractores de fumos e cheiros devido às áreas de restauração neles existentes seja proibido fumar. Deveria, sim, existir a possibilidade de os proprietários dos diversos locais, decidirem se aplicavam ou não a “regra” de não fumar e, aí sim, cada um era LIVRE (palavra que pensava existir desde dia 25 de Abril de 1974) de frequentar ou não esse mesmo local.
No meu caso, é raro frequentar cinemas, pois não me sinto confortável ao pagar um bilhete e estar alguém do meu lado a comer pipocas, a comer um chocolate, ou a chupar como se não houvesse amanha, nas últimas gotas de refrigerante mesmo na altura crítica em que no filme se faz silêncio para dar ênfase à cena… não, não pago para ver um filme num local a que chamam de cinema quando este está transformado em restaurante.
Resta-me ensinar a minha cadela a fumar, pois já que é proibida a entrada a animais nesses mesmos locais onde é proibido fumar, ela poderá segurar no meu cigarro e dar umas valentes passas na porta do estabelecimento, enquanto vou tomar o meu café, isto é, se me deixarem entrar…pois eu sendo um animal e ainda por cima fumante, fico sempre na duvida se serei “barrado” à entrada ou a qual dos avisos proibitivos devo respeitar…
Faça chuva, calor ou sol, será no vão desta escada fria que me encontram… a fumar.